O exagero que não educa
Gabriel Chalita
Pais explicam aos filhos que não exagerem na comida. Faz mal. Que não exagerem no banho. É contra o meio ambiente. Que não exagerem no tempo gasto na internet. Precisamos de relações reais. Não somos máquinas. Que não exagerem nas brincadeiras ou na bebida ou nas baladas e assim por diante.
Filhos poderiam também dizer aos pais que não exagerem nas cobranças. Criança precisa ser criança. Precisa brincar como criança. Correr como criança. Errar como criança. É um exagero exigir que uma criança tenha agenda lotada com todo o tipo de atividade que, muitas vezes, o pai ou a mãe não conseguiram ter.
O pai obeso quer que o filho seja um atleta e lamenta o fato de o seu pai não ter feito o mesmo com ele. Aulas de judô, tênis, natação, alongamento, yoga, musculação adaptada para criança, entre outros.
A mãe com dificuldade em outro idioma quer que o filho aprenda ao mesmo tempo inglês, espanhol, francês e, se possível, alemão e mandarim. E justifica dizendo que, nessa fase, há mais facilidade para o aprendizado de outro idioma.
O pai quer que o filho aprenda a tocar um ou mais instrumento musical. A arte é muito importante. Piano e violão são o básico. Quem sabe aprenda esses dois e mais violino e harpa. Harpa é bem interessante.
A mãe acha que para o filho se desinibir desde cedo é bom ter aulas de teatro e canto. Isso ajuda a conviver melhor e a conseguir desenvolver a oratória, tão essencial para os nossos dias.
E com todas essas atividades, é preciso encontrar tempo para terapias, as tradicionais e as alternativas para que os filhos vençam o estresse.
Enquanto isso, os pais brigam exageradamente, trabalham exageradamente, reclamam exageradamente da vida, da sorte, da condição de casado, dos filhos que dão trabalho. E o tempo passa.
O tempo da convivência vai se perdendo em exageros tantos. A infância vira uma fase de preparação para o sucesso, a adolescência também, e a juventude nem se fala. As cobranças vão trazendo uma carga absolutamente desnecessária.
E o lazer? E o entretenimento? E as conversas sem finalidade? E as brincadeiras em família? E a contação de histórias?
Brincar o dia inteiro e não estudar é tão exagerado quanto estudar o dia inteiro e não brincar.
Ficar ao computador ou em frente à televisão o dia inteiro comendo é tão exagerado quanto não sair da academia ou do clube.
É preciso encontrar o tão sonhado meio termo ensinado por Aristóteles. Sem exageros, e com serenidade, as escolhas podem ser decididas conjuntamente. As habilidades vão se desenvolvendo a partir de estudos e de brincadeiras, de cursos e de ócio. Tudo em família.
A vida tem que ser vivida intensamente em cada instante. Não viver o hoje porque o hoje é apenas uma preparação para o amanhã; um amanhã que nem sei se vai existir, é um grande exagero!
Texto publicado na edição de janeiro de 2011 da revista Profissão Mestre.
Gabriel Chalita é deputado federal, doutor em Direito e em Comunicação e Semiótica, ex-secretário de Educação de São Paulo.