quarta-feira, 23 de julho de 2014

Quanto mais caro o presente, maior o amor?




Texto de Paola Rodrigues*
Faz poucas semanas, estava em uma daquelas lojas que vendem de tudo, de chocolate a porta moeda, quando me deparei com toda uma seção de brinquedos infantis. Como minha filha estava com uns brinquedos não muito interessantes e as reciclagens em casa em baixa, achei pertinente procurar algo para ela.
Em primeiro, queria compreender porque cargas d’água existe uma seção de brinquedos para meninas e uma para meninos.  E pior, porque meninas ficam com bonecas, fogões, vassouras, panelas e meninos com carrinhos, simuladores de engenharia, blocos e itens “radicais”. Até então, na minha pouca experiência com brinquedos infantis, sabia que havia a Ditadura do Rosa e Azul, só não compreendia a fundo, a ditadura da “mulher na cozinha” e “homem trabalhando”, imposta desde muito cedo. Uma programação muito pouco sútil e concisa.
Passado o primeiro susto, levei um novo susto, o valor dos brinquedos. Tenho a informação, que alguns itens realmente são caros porque seu material é mais complexo, a importação e a marca agrega um valor, mas não consegui captar a essência de uma boneca pequena, monocromática, custar algo na média de três dígitos.
Voltei para casa realmente questionando porque os pais compravam aquilo. Não fazia sentido, não compreendia a importância. No fim, vi até um carrinho mínimo que equivaleria a 1/3 do meu aluguel em cidade do interior. Poxa, a inflação ficou assim mesmo?
Foi quando me lembrei de um pequeno causo da minha infância. Meu pai, um metalúrgico muito ocupado, adorava gastar uma parcela do seu salário em bonecas. Trabalhava de segunda a sábado e no domingo, ficava deitado no sofá vendo TV, descansando da sua “rotina trabalhadora”.
Minha mãe, uma costureira, pra lá de esforçada, passava todos os dias em sua máquina, fazendo o melhor que conseguia. Ambos tinham um distanciamento típico dos pais dos anos 90, acredito.
Todo domingo, meu pai me comprava doces e sempre me trazia bonecas, com vestidos bufosos, cheios de adornos e brilhos, detalhes impecáveis e uma caixa cheia de imagens que prometiam um reino encantado. Como toda criança, era bem… Artística? É isso. Adorava pintar e enfeitar mais as bonecas. Fazia máscaras de deuses nelas, repaginava o vestido de uma forma mais ousada e fazia delas minhas heroínas perfeitas: bem loucas.
Meu pai ficava insano “Que isso, Paola! É para brincar com elas, não destruir! Paguei caro nelas para você!”. Acho que neste exato ponto, há 15 anos, meu pai me respondia uma questão feita nos corredores da loja. Quanto maior o preço, maior a sensação de dever cumprido.
Trabalhamos 40 horas semanais ou mais, vivemos uma rotina caótica para garantir o sustento dos filhos, comida, escola, vestuário, inglês, dois tipos de esporte, uma aula de música e três outras atividades variadas para o intelecto perfeito. Criamos filhos que prometem ser uma máquina de sucesso e no fim do dia, chegamos em casa, queremos descansar e ver nossas crias num canto da sala, com o tablet na mão ou aquele brinquedo que custou ¼ do salário. Isso causa uma sensação boa, de que cumprimos nosso dever de prover tudo para eles.
Minha mãe, um tanto mais humilde e menos usuária da TV, costumava me deixar brincar com os retalhos de tecido que sobravam. Ficava no pé dela, fazendo roupinhas para meus brinquedos, casinhas de pano, criando um look divertido e geralmente, não sentia tanta solidão. Acredito que ela fazia isso sem perceber, mas é um bom exemplo para a questão.
Os pais de nossos pais, já diziam “Nem tudo que reluz é ouro”, portanto, nem tudo que custa muito caro e promete entreter seu filho – para que você mal note a existência dele – é a solução. É um paliativo para nós.
Não é saudável para ninguém comprar um brinquedo de x valor, explicar para a criança que você não pode brincar com ela, porque afinal, você está fazendo hora extra para pagar aquela exato brinquedo.
Minha geração já colhe frutos de uma criação distante, baseada em TV e brinquedos caros. Por muito tempo tive problemas em me sociabilizar, porque estava acostumada com os adultos ocupados a minha volta. Também tive um apego incrível aos meus preciosos brinquedos, o que me proporcionou quando criança uma visão limitada de diversão.
Acho que fica o apelo para que em nosso tempo, compremos brinquedos para as crianças, não para nós. Pode ser no valor que for, essa é uma escolha pessoal, mas que seja pelos motivos certos. Que reservemos algumas horas do dia para brincar, explorar, sonhar e aprender com aqueles pequenos seres humanos com uma imaginação fantástica.
Porque dizem que o sorriso de uma criança vale ouro, mas tenho certeza que o sorriso dos pais com os filhos, vale mais que uma loja toda de brinquedos.

Quem estiver disposto a se aprofundar mais neste tema recomendo clique aqui e assista ao vídeo Nós hipotecamos o futuro’, uma critica do sociólogo polonês Zygmunt Bauman.


(*) Paola cursa o primeiro ano de Licenciatura em História, é escritora, produtora cultural e apaixonada pela maternidade. É mãe orgulhosa de duas, mesmo só podendo estar com uma. Escreve no blog Cartas para Helena, onde o foco é deixar um relato de pensamentos e percepções para a pequena Helena. É colaboradora na Revista Obvious, ativista no acesso a cultura e arte para todos e acredita que estamos criando um mundo melhor, quando deixamos crianças serem crianças. http://cartasparahelena.wordpress.com/.

Afinal, do que precisa uma criança?

Texto de Mirtes Aquino*

Outro dia estava em uma roda de mães e a conversa enveredou para enxoval de recém-nascido, lista de compras e viagens de compras ao exterior. Senti-me quase uma avó ao constatar o quanto o enxoval que montei para minha filha, há inacreditavelmente distantes 8 anos, está ultrapassado!!! Dos modelos de carrinho e bebê-conforto a tecnologia das fraldas, do estilo das roupas a decoração do quarto, dos itens mais supérfluos aos ditos “essenciais”. As crianças continuam nascendo com as mesmas necessidades e questões, mas a forma de atendê-las parece que precisa ser revista e mudada numa velocidade cada vez maior.
E a coisa cresce junto com a criança! E em pouco tempo as necessidades do seu pequeno já se agigantaram diante dele. Roupas e sapatos que as crianças, muitas vezes, sequer conseguem usar! Não dá tempo. Ou simplesmente não há interesse. Com os brinquedos é um mundo a parte.
As meninas precisam ter um espaço estrategicamente reservado no quarto para as infinitas barbies, pollys e monstrinhas, e seus acessórios sem fim. Os meninos, por sua vez, precisam guardar seus carros colecionáveis e dezenas de pistas ineficientes. E os jogos, e os brinquedos de montar, musicais e de aventura. As fantasias de princesas e super-heróis, e seus muitos acessórios, claro.
Brinquedos pra praia, pra piscina, pra escola, pro parquinho, pra viagem, pro apartamento. Brinquedos pro quarto da criança, pra casa dos avós, pra casa de praia, pra deixar no carro. Brinquedos pros dias frios, pros dias quentes, pros dias de férias, pros dias super ocupados, pros dias de tédio.
A sensação que se tem é que uma infância é bem vivida na medida em que consegue juntar itens e tralhas. Mas, com raríssimas exceções, o encanto de cada novo item dura o tempo de um item ainda mais novo chegar – muitas vezes nem isso. E as coisas se acumulam, se entulham, e a criança se distancia cada vez mais do que realmente ela precisa. Mas afinal, de que uma criança precisa?
Por mais óbvia que esta pergunta seja, sua resposta parece ser cada vez mais difícil de ser vivida – não necessariamente dita. Podemos repetir que não são itens materiais a resposta, mas nossos atos nos desmentem. E caímos na pegadinha da mídia, que de forma fascinante ou emocionante, nos induz a pensar que as maiores provas de amor devem sim, ser pagas pelo cartão de crédito. E quanto mais a pilha de tralha cresce, mais se tem certeza de quanto amor está envolvido.

E no meio de tanta coisa, como conseguir pensar no que realmente é necessário?
Foi assim que aconteceu com o menino idealizado pelo genial Shel Silverstein em Uma girafa e tanto. Ele tinha uma girafa, mas queria ter uma girafa e tanto, e não mediu esforços para isso: chapéu com rato, rosa no nariz, uma cadeia como pente, uma bicicleta de pneu furado.
Com estilo nonsense, o personagem vai atrelando a sua girafa toda sorte de tralha, até ser quase impossível reconhecê-la. E no meio de tanta coisa, como saber o que realmente é importante? Ahhá!!! Mas no meio do caminho da girafa havia um buraco de tatu, que com tanta coisa foi impossível ver. E ao cair lá dentro, caem também todas as tralhas, e é então… poxa, que o menino percebe que já tem uma girafa e tanto, sem precisar de tralha alguma.
E é aí que começa a parte mais divertida, encontrar destino para tanta tralha! A cadeira é dada a um urso, a rosa a uma pessoa amada, e o rato simplesmente vai embora com o chapéu.
O livro é todo em preto e branco, da capa às folhas internas, ilustrado pelo traço inconfundível de Shel Silverstein, o que, convenhamos, não o torna dos mais atraentes. Mas não se engane, ele é surpreendente, e é uma ótima e divertida forma de conversar com as crianças sobre o que é essencial e o que é supérfluo, o que é consumo e o que é consumismo – sobre o que realmente precisamos carregar e o que podemos, simplesmente, deixar seguir outro rumo.
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(*) Mirtes é a mãe da Letícia, além de economista e funcionária pública. Desde que se tornou mãe aprende que é possível construir um mundo melhor, o que necessariamente passa por uma infância mais respeitada. Escreve no Cachinhos Leitores, seu blog sobre literatura infantil. http://www.cachinhosleitores.blogspot.com


Sinopse do Livro "Uma girafa e tanto"

Sinopse

O livro infanto-juvenil "Uma Girafa e Tanto", ilustrado e escrito por Shel Silverstein, conta de maneira bem humorada e em versos rimados e traduzidos para o português pelo poeta Ivo Barroso, uma história de reflexão sobre o excesso de consumo no mundo em que vivemos.
Nesta história, um garoto é dono de uma girafa e resolve acumular muitas coisas em cima dela com a finalidade de ter "uma girafa e tanto".
A partir daí a girafa é incumbida de levar todas as coisas que o garoto coloca em suas costas e só para quando cai no buraco do tatu e percebe que pode existir sem tudo aquilo. Neste jogo de acumulações, o autor evidencia a crítica ao modo de vida atual e as falsas necessidades de consumo, nas quais as pessoas são impulsionadas a comprar mercadorias inúteis.
Este livro recebeu as seguintes indicações: Programa Nacional do Livro Didático 2005, Programa Nacional Biblioteca da Escola 2005 e Programa Ler e Escrever 2007.

Publicidade dirigida à criança deve ser proibida?




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. Imagens da página 2 e 3 da Folha de 29/6/2014, domingo.